Um país chamado Amazônia

Um país chamado Amazônia

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Dentre as diferentes regiões do Brasil que eu já visitei, posso dizer que essa é uma das mais diversas. Ir para Manaus foi como fazer uma viagem para um país diferente sem precisar de passaporte. Manaus é como uma ilha, que só se chega de barco ou avião, que tem suas belezas e suas peculiaridades, uma mistura de cidade e selva, calor e umidade, metrópole e cidade do interior. Tudo junto e misturado. Misturado assim como o sotaque, meio nordestino meio não, como os diversos sabores dos seus temperos, meio doce meio azedo. Uma mescla de meio índio meio caboclo.

Essas misturas nos fazem pensar bastante em como vivemos hoje e como vivíamos há alguns anos. Como se o passado e o presente se misturassem. Ao mesmo tempo que vemos a dificuldade da população ribeirinha em se locomover em canoas por horas no desconforto dos bancos de tábua, e o isolamento da cidade tornar a ida à capital um sonho de consumo dos jovens e uma simples bola de verdade ser objeto de desejo de um pequeno caboclinho de seis anos, temos a avalanche moderna do povo da capital refletida no celular do Pajé que toca no meio da cerimônia da dança aos deuses, e a jovem ribeirinha com o celular na mão no meio da selva sonhando com o dia que a internet “quem me dera” vai chegar. Um verdadeiro retrato do Brasil, miscigenação de origens, de sensações, de cultura, um “país” à parte.

Centro Histórico: o coração da cidade

Ficamos no hotel Seringal, bem no centro de Manaus, uma quadra do Largo São Sebastião, local onde fica o Teatro e próximo a várias atrações da cidade. Super indicamos, além de uma tarifa razoável, o atendimento é bom e as instalações todas novinhas, pois o hotel foi inaugurado há menos de um ano. Nossa única dificuldade foi o banheiro sem box e com chuveiro bem no meio, pois era um quarto preparado para cadeirantes. Banheiro alagado toda vez que alguém tomava banho. Tirando isso foi tudo ótimo. No último dia conseguimos até um late check out sem custo adicional.

Porto de Manaus, 2014, por LP

Porto de Manaus, 2014, por LP

 

Mercado Municipal de Manaus, 2014, por LP

Mercado Municipal de Manaus, 2014, por LP

A grande vantagem de ficar no centro da cidade é poder fazer muitos passeios a pé. Claro que para alguns não tem como fugir do taxi, e principalmente do barco, mas as atrações centrais todas podem ser feitas a pé: Teatro, Mercado Municipal, Catedral, Museu do Índio, Porto de Manaus, além de lojas de suvenires, bares e restaurantes. Do Largo de São Sebastião também tem ônibus de turismo, aquele que circula a cidade. Preferimos fazer tudo a pé, mas essa é uma opção aos que não gostam de caminhar no calor de quarenta graus.

Teatro Amazonas, 2014, por LP

Teatro Amazonas, 2014, por LP

O primeiro dia na cidade manauara já surpreende com uma visita ao imponente Teatro Amazonas, inaugurado em 1896, que reflete a riqueza da era da borracha e o investimento que que a cidade recebeu logo no início da colonização. Os turistas têm à disposição diariamente uma visita guiada pelo teatro, para conhecer a história e as exposições de figurinos e obras que ele guarda. E aos que tiverem sorte, como nós, pois depende da época do ano, terão a oportunidade de assistir a um espetáculo. Nos dias que estivemos lá havia uma programação a semana toda, assistimos a Ópera PAIXÕES DE BACH, uma mistura de música instrumental, canto lírico, dança e interpretação, simplesmente Fan-tás-ti-co! E de graça. Sim, de graça. Mas isso só percebi nas entrelinhas, pois no mural de programação estava lá: R$20 plateia, Livre demais assentos. Não que não valesse os vinte reais, valia muito mais, mas poder usufruir de uma obra gratuita dá ainda mais valor a essa popularização da cultura.

Praia da Ponta Negra, 2014, por LP

Praia da Ponta Negra, 2014, por LP

Antes de partirmos para a selva, aproveitamos os dias em Manaus para conhecer a Praia da Ponta Negra, um lindo bairro de praia de arreia branca e as águas escuras do Rio Negro. Na Marina do Davi pegamos um barquinho que segui a o rio até o Museu do Seringal, uma parada indispensável para que quer conhecer a história do Brasil pela perspectiva da Amazônia da era da borracha.

Encontro das Águas Rio Negro e Solimões, 2014, por LP

Encontro das Águas Rio Negro e Solimões, 2014, por LP

 

Índias da tribo Tesana Tucano, Amazonas, 2014, por LP

Índias da tribo Tessana Tukano, Amazonas, 2014, por LP

Outras atrações imperdíveis são: nadar com os botos cor de rosa, navegar até o encontro das águas do Rio Negro e Rio Solimões que não se misturam nunca, parecendo água e azeite. E uma visita à uma aldeia indígena. Há várias opções, a que nos levaram foi à Aldeia da Tribo Dessana Tukano. A Aldeia fica numa reserva que, além de casas normais onde os índios desta tribo moram, há uma tenda gigante para as apresentações artísticas para receber os turistas. Claro que eles já não vivem mais como aprendemos nos livros, que as tangas e as pinturas que usarem durante a cerimônia de dança feita para nós é algo que se tornou como uma apresentação de teatro, que reproduz a cultura, mas não representa a realidade de vida atual. Mas mesmo sabendo de tudo isso a cerimônia, a música, a dança, os gritos da índia seminua, de mãos dadas com o indiozinho, parecem que realmente evocam os deuses para avistarem a nossa presença.

Arena da Amazônia, Manaus, 2014, por LP

Arena da Amazônia, Manaus, 2014, por LP

 

Jogo Flamengo x Vitória, Manaus, 2-14, por LP

Jogo Flamengo x Vitória, Manaus, 2-14, por LP

Nossa ida à Arena Amazônia também foi um diferencial. Após a Copa do Mundo, poucos são os jogos nesse incrível estádio de padrão internacional. E nós fomos “premiados”, no sábado de nossa estadia houve um jogo entre Flamengo X Vitória e garantimos nossos ingressos. Uma experiência única para um flamenguista de coração como eu. Placar 4×0, para o mengão, é claro.

Selva: cadê o bicho que estava aqui?

As árvores e seus reflexos no Rio Solimões, Manaus, 2014, por LP

As árvores e seus reflexos no Rio Solimões, Manaus, 2014, por LP

Após as atrações do centro, nossa aventura começou na pesquisa por passeios realmente diferentes. Quase tudo é feito por barco, por isso fomos no porto dar uma espiada nas opções. Muita gente, muita bagunça, uns barquinhos bem velhos e, claro, nada de coragem de fechar qualquer tipo de passeio. Caminhando pelo centro procuramos algumas agências de viagem, pois nos pareceu mais seguro do que com os “ambulantes” do porto. Encontramos uma bem pertinho do Hotel, Pará Amazonas Turismo. Até indicaríamos os serviços deles, se não fosse a surpresa de nos levarem para um hotel de selva que não tinha nada a ver com o que fechamos. Tudo bem que queríamos uma aventura na selva, mas a aventura começar com a surpresa de um hotel bem diferente não era bem o que queríamos. E reclamar? Bom, depois de três horas de viagem carro+barco+kombi+canoa, sem sinal de celular, GPS, acho que nem sinal de fumaça, não tinha para quem reclamar que o hotel estava errado né. Na volta dos três dias e duas noites na selva a gente foi falar com a agência. Não sabiam o que tinham acontecido mas garantiram que iam verificar e nos dar um parecer. Quase dois meses depois, continuamos aguardando.

Acomodações do Hotel de Selva, Manaus, 2014, por LP

Acomodações do Hotel de Selva, Manaus, 2014, por LP

Deixando os problemas da agência de lado, a aventura na selva foi um capítulo à parte na nossa viagem. Ficamos numa pousada suspensa, que parecia uma casa na árvore, sim aquela que sonhávamos ter quando éramos crianças, tínhamos como o rio como piscina, e uma programação de aventuras que mais parecia história contada de um livro a uma criança naquelas tardes chuvosas.

Canoa, principal transporte, Manaus, 2014, por LP

Canoa, principal transporte, Manaus, 2014, por LP

 

Pesca de pinhanha no Rio Solimões, 2014, por LP

Pesca de pinhanha no Rio Solimões, 2014, por LP

 

Pôr do Sol, Amazônia, 2014, por LP

Pôr do Sol, Amazônia, 2014, por LP

A primeira das aventuras foi seguir o rio, numa canoa, que aliás foi nosso meio de transporte oficial nos três dias na selva, para pescar piranhas. Sim, piranhas. Doze pessoas numa canoa, no meio do rio amazonas, com varinhas feitas de galhos finos de árvores, um anzol caseiro, e uns pedacinhos de gordura de frango. E lá se foram horas em silêncio pescando piranhas. Alguns pescaram, quatro, outros duas, outros uma, e bem, alguns nenhuma. Eu confesso que nem tentei, preferi curtir a paisagem e fotografar o momento. Após a pesca, a busca pelo local perfeito para um pôr do sol perfeito. Difícil descrever essa imagem. Um sol vermelho tocando o rio delicadamente. Aquele reflexo numa imensidão de água multiplicava tudo, como se existissem dois, três, quatro sóis. Ver o pôr do sol realmente é algo que impacta a gente. Já tinha visto várias vezes, na praia, na cidade, no horizonte de uma viagem ao entardecer, mas um pôr do sol como esse, na imensidão do coração, ou melhor, do pulmão do mundo, realmente era algo indescritível.

Focagem de Jacaré, Amazônia, 2014, por LP

Focagem de Jacaré, Amazônia, 2014, por LP

A noite saímos novamente pelo rio para a focagem de jacaré. Nenhuma luz, nenhum farol, até a lua estava à espreita para manter o breu da floresta, apenas o piscar momentâneo das lanternas buscando olhos vermelhos paralisados nas margens do rio. Algo surpreendente. E o caboclo Shen, nosso guia, depois de algumas tentativas, pulou na água e voltou com um jacaré em mãos. O jacarezinho, coitado, passou de mão em mão por alguns minutos e depois foi devolvido para o rio. No dia seguinte? Todos nadando no rio, menos eu. Sei lá, vai que o jacaré estava por ali ainda.

Cinco da manhã, grupo a postos na canoa, rumo ao nascer do sol. O sol nasce todos os dias, mas é incrível como ele parece diferente quando estamos dispostos a ele. Quando saímos com o único objetivo de vê-lo chegar, como se o esperássemos para dar as boas-vindas para a beleza que ele trará com sua luz e a possibilidade de com ela apreciar toda a natureza ao nosso redor. O amanhecer é realmente algo instigante. O despertar da aurora desperta quase todos os seres vivos, os pássaros, os peixes, os insetos, os homens, todos despertam junto com o sol. Uma pena ele passar despercebido na nossa rotina diária de trabalho-casa, casa-trabalho.

Cipó de água para matar a sede na selva, Amazônia, 2014, por LP

Cipó de água para matar a sede na selva, Amazônia, 2014, por LP

 

Formigas são repelente natural, Amazônia, 2014, por LP

Formigas são repelente natural, Amazônia, 2014, por LP

 

Larvas da castanheira são alimento, Amazônia, 2014, por LP

Larvas da castanheira são alimento, Amazônia, 2014, por LP

Dia de fazer uma expedição na floresta. Como um manual de sobrevivência, nosso guia nos levou mata adentro mostrando as possibilidades que a natureza apresenta. Beber água de um cipó, comer a proteica larva das castanheiras, o repelente natural das formigas amazônicas, as lascas do eucalipto para ajudar a respirar e o antiácido natural tirado da seiva das árvores. Árvores, árvores e mais árvores. Já estou acostumada a ver muita árvore, meus pais moram numa chácara com muitas delas, mas as árvores da floresta amazônica são altas, imponentes, e juntas dão a real sensação de imensidão que nos engole no verde.

A noite na selva, Amazônia, 2014, por LP

A noite na selva, Amazônia, 2014, por LP

 

Guia ensina a sobrevivência na selva, Amazônia, 2014, por LP

Guia ensina a sobrevivência na selva, Amazônia, 2014, por LP

A noite partimos novamente para a selva. Agora de uma forma mais profunda, num local ainda mais distante da pousada. Dalí, mais duas horas de canoa até distante margem aos pés de uma mata fechada. E ali descemos acampamento. Redes e telas para dormir, uma fogueira para preparar o jantar e o inusitado silêncio barulhento da floresta de fundo. Para tornar a aventura ainda mais emocionante.

A viagem à Amazônia foi algo realmente emocionante, é como se fôssemos privilegiados por essa oportunidade de conhecer esse lugar tão especial e importante para o mundo. No fundo, no fundo, sabemos que a floresta não é a mesma que há alguns anos e não será a que vimos daqui alguns anos. A população cresce a cada dia, precisa de espaço, e esse crescimento está tomando a selva, derrubando as árvores e afugentando os animais. Essa é a explicação para não termos visto quase nenhum animal selvagem. Além do boto rosa, do jacaré, das piranhas, aranhas e mosquitos, não vimos nenhum pássaro como gralhas ou araras, nenhum macaco, e a onça, bom a onça ficou só na nossa imaginação.

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